Como empresas estão se posicionando em um mercado que já movimentou US$ 4 trilhões em títulos sustentáveis
*Por Onara Lima
Levando em consideração um mundo com elevada velocidade de mudança e constante movimentos disruptivos, as instituições financeiras precisam criar uma estratégia e um roteiro sustentável para enfrentar
Neste cenário, ferramentas tecnologicamente robustas de modelagem de portfólio pré-negociação, conectividade ágil e global, ferramentas de conformidade para alocação e análise de risco integrada para melhores insights de investimento e tomada de decisões, devem ter capacidade de inserir os aspectos ESG, levando em consideração realidades quanto a vocação socioambiental e econômica regional.
Voltando para a frase inicial, como mapear e se preparar para captação de recursos para escalar o crescimento sustentável dos negócios e ampliar portfólio?
Existem várias fontes de financiamento para projetos que se conectam com soluções sustentáveis em todo o mundo, incluindo agências governamentais, fundações, instituições financeiras e projetos de investimento socialmente responsáveis.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lançou o Tudo na Circularidade – Investindo nas cooperativas de material reciclável.
Com a iniciativa, o Banco vai apoiar a estruturação dos catadores e catadoras no novo mercado de reciclagem, permitindo que as cooperativas aproveitem as oportunidades na economia circular, obtendo mais produtividade e maior rendimento.
O anúncio foi feito durante webinar para apresentar a abertura de seleção pública para parceiros gestores, com recursos de R$ 20 milhões do Fundo Socioambiental do BNDES. O projeto pode chegar a R$ 100 milhões, com novas captações.
Ainda liberou, em apenas sete meses de 2024, o correspondente a 2,5 vezes todas as aprovações da história do programa BNDES Fundo Clima de 2013 a 2023 (R$ 3 bilhões, a valores de hoje).
De abril a outubro 2024, o banco aprovou R$ 7,3 bilhões para operações do Fundo Clima. Isso representa 70% dos cerca de R$ 10,4 bilhões aportados pela União ao BNDES, para financiamento de projetos de mitigação da mudança climática e dos seus efeitos.
O Itaú anunciou um compromisso de investir R$ 1 trilhão em finanças sustentáveis até 2030, expandindo significativamente sua estratégia ESG. Essa iniciativa visa apoiar projetos que geram impacto positivo na sociedade e na economia, promovendo a transição para uma economia de baixo carbono.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que são necessários 6,9 trilhões de dólares anualmente até 2030 para alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável.
A visão para estruturar e preparar o acesso ao chamado “dinheiro verde“, traz caminhos possíveis para identificar as oportunidades, estar atento às opções de linhas de crédito conectadas com o modelo de negócio, processo, inovação, produto e ter a elegibilidade para captar esses recursos, com um bom planejamento, objetivos bem definidos na estruturação do projeto com metas claras e mensuráveis, conectadas na estratégia que o negócio pode usar para aproveitar as oportunidades.
A estruturação de emissões de títulos de dívida ESG no mercado de capitais tanto no mercado local quanto no externo, devem seguir as diretrizes da International Capital Markets Association (“ICMA”) e melhores práticas de mercado, por exemplo, o Guia para Ofertas de Títulos Sustentáveis da ANBIMA.
Estas operações podem conter características verde, social, sustentável, de transição e/ou com características atreladas a metas de sustentabilidade.
Emissões brasileiras de títulos sustentáveis
De acordo com informações publicadas pelo Banco Central do Brasil, o acumulado de 2015 a jun/2024, as emissões globais somam USD 4 trilhões de dólares. A América Latina representa em torno de 3 a 4%.
O Brasil está entre os três principais emissores da América Latina, junto com México e Chile. O volume acumulado de emissões brasileiras desde 2015 é de USD 31,1 bilhões.
Os emissores brasileiros se beneficiaram do ambiente externo de maior liquidez e menores custos de financiamento, e levantaram USD12 bi em dívida sustentável.
Empresas são os principais emissores. Desde 2015 foram emitidos USD 31,1 bilhões de dólares em títulos sustentáveis no mercado externo, por empresas, bancos e o Tesouro Nacional.
No Brasil, predominam emissões de empresas, com os bancos em segundo lugar, e terceiro o Tesouro Nacional.
Tesouro Nacional – as emissões soberanas são 13% do volume financeiro dos títulos sustentáveis emitidos no mercado externo.
Empresas – correspondem a 71% do volume financeiro emitido. São USD 21,7 bilhões distribuídos entre 21 emissores de 13 setores econômicos. As emissões sustentáveis de empresas são 14% do total das emissões externas de empresas.
Os títulos do tipo propósitos gerais – sustainability-linked bonds – foram predominantes. 36% das emissões foram classificadas com grau de investimento na data da emissão, ante 27% das emissões convencionais.
Bancos – Os bancos representam 16% das emissões brasileiras de títulos sustentáveis no mercado externo. São 9 os bancos emissores. Desde 2015 são 13 emissões no valor total de USD5,1 bilhões.
Para os bancos, predominaram os títulos do tipo uso dos recursos: sustainability bonds (50% do volume financeiro emitido), green bonds (35%) e social bonds (15%).
Títulos sustentáveis podem ser mais atrativos para emissores com grau de investimento
Empresas emissoras com melhor nota de crédito podem beneficiar-se de melhores condições na emissão de títulos sustentáveis em relação aos convencionais do que emissores sem grau de investimento.
Ampliando o olhar global
Podemos citar algumas tendências trazidas pela Morningstar, empresa de pesquisa independente de investimentos:
“Á medida que investidores preocupados com a sustentabilidade olham para 2025, seis temas provavelmente dominarão suas listas. Eles incluem regulamentações ambientais, sociais e de governança, investimentos na transição de carbono, títulos sustentáveis, a reformulação do cenário global de fundos ESG, financiamento da biodiversidade e a ética da inteligência artificial”.
A Moody´s, agência de classificação de risco de crédito, traz a projeção sobre emissão de títulos sustentáveis deve ficar estável, segundo a previsão dos analistas para 2025 seria mantida, pelo quinto ano consecutivo cerca de US$ 1 trilhão em emissão de títulos sustentáveis.
A agência espera que projetos de mitigação e adaptação climática, como a oferta de energia renovável e desenvolvimento de edifícios verdes, siga no foco dos emissores, destacando o crescente interesse em soluções baseadas na natureza (TNFD – Taskforce on Nature-related Financial Disclosures).
Apimentando o tema com as classificações ESG
Estudos recentes revelam que as classificações ESG (ratings) variam drasticamente dependendo do provedor, como MSCI, Sustainalytics ou Refinitiv, entre outros, usados para avaliar o desempenho da mesma empresa.
Essa inconsistência pode afetar fundamentalmente as decisões tomadas por investidores, empresas e até mesmo formuladores de políticas.
Se as classificações diferem tão significativamente, a confiabilidade do investimento ESG tende a ser questionada. Podemos realmente confiar nas classificações para orientar investimentos sustentáveis, se não houver acordo sobre o que torna uma empresa sustentável?
De forma mais ampla, essas discrepâncias não afetam apenas os portfólios de investimento, mas também moldam as estratégias globais de sustentabilidade. Padronizar as classificações ESG é crucial para alcançar o nível de transparência e confiança esperado pelos stakeholders.
Neste ambiente de ratings, algumas tendências englobam: maior escrutínio das agências de classificação por parte dos reguladores; avanços em direção a estruturas padronizadas de relatórios ESG (Normas IFRS S1 e S2); pesquisa qualitativa/quantitativa mais profunda para entender as influências reais e significativas setorialmente e regionalmente nas classificações de sustentabilidade.
Para construir confiança genuína nas métricas de sustentabilidade, precisamos de transparência e consistência.
*Onara Lima é founder e diretora da ESG Advisory
Artigo original publicado em Exame.com.