A boa governança: os desafios da rastreabilidade da cadeia de valor

Por Onara Lima

A sustentabilidade é um tema amplo, complexo e necessário, sendo uma realidade o papel que as empresas devem desempenhar na proteção do meio ambiente e nas questões quanto aos direitos humanos, pontos que vem chamando a atenção de políticos, investidores, consumidores e outras partes interessadas. É neste cenário, que a Comissão Europeia, através da sua proposta de Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa (Corporate Sustainability Due Diligence Directive – CSDDD), que se for aprovada, define requisitos para que as empresas identifiquem e previnam, eliminem ou mitiguem os impactos reais e potenciais das suas atividades no aspecto ambiental e nas violações dos direitos humanos.

Tornando obrigatório a realização a devida diligência não apenas nas suas próprias operações, mas também nas atividades das suas subsidiárias e outras entidades nas suas cadeias de valor com as quais tenham relações comerciais diretas e indiretas estabelecidas. Sendo necessário desenvolver e implementar “planos de ação de prevenção”, obter garantias contratuais dos seus parceiros comerciais diretos de que irão cumprir os planos e, subsequentemente, verificar o cumprimento.

Onde o Brasil entraria neste contexto? Dentro dos critérios de definição sobre a abrangência provavelmente estaríamos contemplados no Grupo três: empresas de países terceiros que geraram um volume de negócios líquido superior a 150 milhões de euros na UE no último exercício financeiro e Grupo quatro: empresas de países terceiros que geram um volume de negócios líquido superior a 40 milhões de euros na UE, desde que pelo menos 50% do volume de negócios mundial tenha sido gerado num setor de alto impacto (Alto impacto é definido pela Comissão como o setor de têxteis, o envolvimento em diversas atividades agrícolas e a extração de recursos minerais).

Como parte do seu objetivo de ajudar a transição da UE para uma economia mais ecológica e com impacto neutro no clima, a CSDDD obrigaria algumas empresas, incluindo o grupo três, a garantir que os seus modelos e estratégias de negócio sejam compatíveis com o Acordo de Paris. Além disso, as empresas que identificam as alterações climáticas como “um risco principal ou um impacto principal” das suas operações teriam de incluir objetivos de redução de emissões nos seus planos de negócios.

Para a devida diligência em matéria de direitos humanos, a CSDDD alinhar-se-ia com as normas internacionais existentes. Estes incluem os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais e o Guia de Devida Diligência da OCDE para Conduta Empresarial Responsável.

Vale atenção também das PMEs, que podem não estar diretamente abrangidas, mas certamente serão afetadas por serem contratadas ou subcontratas de qualquer uma das empresas enquadradas nos critérios definidos, como parte da cadeia de valor.

Embora tenhamos nos deparado com o adiamento da aprovação da legislação como foi proposta, devido à falta de concordância entre todas as partes e países envolvidos, bem como oposições políticas, é importante ressaltar que o tema seguirá quente e a toda velocidade, já que a União Europeia está focada nos esforços para limpar as cadeias de abastecimento das empresas.

Considerando que o Brasil é o maior destino de Investimento Estrangeiro Direto (IED) da União Europeia na América Latina (1), com 263 bilhões de euros investidos, não restam dúvidas acerca do impacto que terá para as empresas brasileiras, que por sua vez, carece de um ambiente regulatório que seja capaz de reconhecer de forma efetiva a sustentabilidade corporativa, para além das diretrizes não vinculantes. Atualmente, não existe no Brasil uma legislação que disponha especificamente sobre obrigações decorrentes da sustentabilidade corporativa ou conceito similar para empresas e/ou seus diretores. De igual modo, não existem normas que obriguem as empresas a implementarem mecanismos para uma efetiva identificação e prevenção de riscos ambientais e sociais. O PL 572/2022 é uma tentativa de criar um marco legal da relação entre direitos humanos e empresas, mas necessita evoluir a discussão.

Para a União Europeia, as questões ambientais e de sustentabilidade têm se tornado cada vez mais importantes nas relações econômicas e comerciais. Levando em consideração que a UE é o segundo maior parceiro comercial do Brasil (2), respondendo por mais de 15% do comércio exterior brasileiro, bem como o maior investidor estrangeiro no Brasil. Em 2021, a UE importou do Brasil 33 bilhões de euros em produtos, muitos dos quais são envolvidas com riscos de desmatamento. A soja e seus subprodutos equivalem a maior parte destas importações (US$ 7,8 bilhões em 2021) seguido por minérios, escória e cinzas (US$ 6,38 bilhões) e carne (US$ 1,4 bilhão). Esse é o tamanho do risco ou oportunidade, a depender de como as empresas brasileiras irão se preparar ou antecipar-se aos critérios da CSDDD.

(1) Dados do Mapa Bilateral de Investimentos Brasil-União Europeia, desenvolvido pela Apexa Brasil com apoio da Delegação da União Europeia no Brasil.
http://www.apexbrasil.com.br/inteligenciaMercado/MapaInvestimentosBilaterais

(2) European Commission (2022), EU trade relations with Brazil. Facts, figures and latest developments / Eurostat (2022), Brazil-EU – international trade in goods statistics,

 

Sobre a autora:

Onara Lima é professora da FIA no curso Stakeholders e ESG – Especialista em Sustentabilidade.

 

*Texto publicado originalmente no Portal Valor Econômico.

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